21 setembro 2006

PASSOS

Meus amigos, Samuel Beckett:

"(...) V

Eu ando a rondar por aqui... agora. Ou antes chego e perspego-me. Ao cair da noite. Ela julga-se só. Vejam como fica imóvel, de cara para a parede. Aquela fixação! Aquela impassibilidade aparente! Ela não voltou a sair desde a juventude! Onde está ela, podemos perguntar. Mas na velha casa, a mesma onde ela começou. Onde isto começou. Isto tudo começou. Mas isto, quando começou isto? No tempo em que as outras raparigas da sua idade andavam lá fora, a jogar à... aquele jogo do céu e do inferno, já ela estava aqui. Já começava nisto. O chão neste sítio, agora raso, dantes era. Mas admiremos a sua postura silenciosa. Que elegância na meia volta! Sete oito nove e up! Dizia eu que o chão neste sítio, agora raso, antes esteve sob um tapete, um tapete espesso. Até ao dia em que, ou antes à noite, até à noite em que, mal saída da infância, chamou a mãe e disse-lhe, mãe, isto não chega. A mãe: não chega? Ema, seu nome de baptismo - Ema: não chega. A mãe: O que queres dizer, Ema, não chega, vejamos o que podes querer dizer, Ema, não chega? Ema: Quero dizer, mãe, que me falta o bater dos passos, por mais fraco que seja. (...)"
in "Passos" (Samuel Beckett, aquela vez e outros textos, edições quasi)

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